quarta-feira, agosto 31, 2005

Diálogos (III)

a gente fala
com
pessoas
que falam
com
pessoas
que
falam com
pessoas
que falam com
pessoas
que
falam com
pessoas
que
falam
com
a gente
fala

escrito ao som de The Kinks - Face to Face

segunda-feira, agosto 29, 2005

A real good time

Para você que está na fossa, batendo cabeça, chorando nos cantos - e nos meios -, pensando em se tacar da janela mais próxima pra não precisar nem andar muito, achando que a vida não tem sentido algum ou que até pode ter, mas e daí?, que um deus maligno resolveu te sacanear pra se divertir um pouquinho já que você não se diverte mesmo, que as surpresas do destino não são lá grandes coisas, enfim, que cê tá fudido e vai continuar assim amanhã e depois e sabe-se lá até quando, bem, eu tenho a solução. E é simples.

Baixe no seu programa de compartilhamento de arquivos mais próximo This Beard Is For Siobhán, do Devendra Banhart. Bote o som da sua casa no máximo e ouça em loop, uma, duas, três vezes, quantas vocês você - senhor(a) deprê - precisar. Saia cantando, alto, o refrão, balançando a cabeça e acordando os vizinhos. É tiro e queda. Não tem erro. Mesmo. Você sai mais leve, feliz e de bem com o deus maligno e o destino. Afinal, às vezes é preciso rir um pouco da própria desgraça.

Duvida, ô rabugento? Baixa então, baixa, vai lá, baixa. Quero ver cê continuar a reclamar.

escrito ao som de Devendra Banhart - Rejoicing The Hands

quinta-feira, agosto 25, 2005

Braços

se nossos
braços
se encostassem

por um momento
um segundo
que fosse

você acharia que
seriam apenas
braços
se encostando

ou pedaços dos
braços
ou pedaços dos
pedaços dos
braços

ou quase
nada

se nossos
braços
se encostassem

de leve
pelo tecido das
roupas
feito o tecido da
pele

talvez você nem
percebesse

escrito ao som de Tom Waits - Small Change

quarta-feira, agosto 24, 2005

Só sacanagem

Começando agora no Canal Brasil: Doutor Florindo e Suas Duas Mulheres. O filme é de 77, um ano depois do Dona Flor da Sônia Braga. Não vou ver, mas o título é genial.

Por sinal, deveria haver um estudo mais específico e detalhado sobre os nomes das pornochanchadas e de seus sucessores hardcore (que contaram com diretores como o genial Mojica Marins, vulgo Zé do Caixão), assim como de obras de diretores "sérios" (Reichenbach, por exemplo), que se apropriavam de uns títulos assim para chamar bilheteria. Exemplos: Senta no Meu que eu Entro na Tua; Rabo 1 - Programado para Trepar; Oh! Rebuceteio; Etéia - A Extraterrestre em sua Aventura no Rio e Etsão - Quanto Mais Sexo Melhor; Emoções Sexuais de um Jegue. A lista é infinita...

Eu sou da teoria que um filme que se chama Emoções Sexuais de um Jegue é melhor do que toda a obra do Bruno Barreto, só pelo nome.

Além disso, acredito que as pornochanchadas serviam como um elemento subversivo de primeira, jogando toda aquela chatice nacionalista e ditatorial da Embrafilme em um registro paródico, popular e, acima de tudo, sacana. Ou não é um ato político em plena ditadura militar subverter os contos-de-fadas tradicionais como no delicioso e já clássico Histórias que Nossas Babás Não Contavam? Foda, com trocadilho, por favor.

Eu quero a volta da pornochanchada aos nossos cinemas, lotando as salas, gerando polêmica.

Seria um bom remédio para o cinema brasileiro atual, em geral sério, careta e covarde. Ou se fingindo de escroto pra ficar jogando lição de moral. Ah, a gente agora sabe equalizar o som! Beleza...

Sabe quando diziam que o nosso cinema era só sacanagem? Sabe, logo no início da "retomada"... Pois bem, devia voltar a ser. Acho, por sinal, bastante acertado o nome dessa sessão do Canal Brasil: Como Era Gostoso o Nosso Cinema. E hoje em dia? Qual o gosto?

Num documentário, o Galante - mítico produtor da Boca do Lixo - falou que o peitinho daqui era igual à arma do americano. Atualmente, não há por essas bandas mais peito nem bunda, mas tá cheio de armas. O que isso significa? Leitor, durma com essa questão...

Taí, quero fazer uma pornochanchada. Pela salvação do cinema nacional, que tal? Quem topa?

E já tenho assunto pra minha monografia.

Mas agora dá licença que a Carla Camurati tá tirando a roupa...

escrito ao som de Fred Leal e Armínio Troca-Tapa - Batata-Frita #2

domingo, agosto 21, 2005

do dia

eu não quero da vida porra nenhuma a não ser gozar.
*
asteriscos são um saco. não ter comentários no blog também. um saco. ô você!
**
ah, eu deveria escrever sobre cinema. eu faço cinema e vejo filmes. eu vejo filmes e ouço música. eu ouço música e leio livros. eu leio livros e finjo que leio livros. eu finjo que leio livros e deveria escrever sobre cinema. ah, eu deveria.
***
inspiração não veio. fazer o quê? isso? não, isso não. outra coisa. outra coisa não tem nada a ver com inspiração.
****
se as coisas não acontecem como o planejado o problema, óbvio, é planejar.
*****
raul seixas era um palinodista. eu também. ou não.
******
é isso.

escrito ao som de Raul Seixas e outros - Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez

sexta-feira, agosto 19, 2005

Domingo

Era domingo e o despertador tocou às oito horas da manhã. Ela acordou. Ele quis dormir mais um pouco. Ela foi preparar o café. Ele acordou. Ela disse que não tinha pão nem leite. Ele disse que não tomava leite. Ela gostava de leite. Ele saiu para comprar pão. Ela chorou. Ele chegou com pão, leite, queijo e presunto. Ela enxugou as lágrimas. Ele não percebeu que ela havia chorado. Ela disse que o amava. Ele disse que a amava também. Eles comeram os sanduíches de pão, presunto e queijo. Ele tomou uma xícara de café. Ela não tomou leite algum. Ele nem percebeu. Ela deixou metade do pão no prato. Ele jogou o que sobrou no lixo. Ela acendeu um cigarro. Ele não fumava. Ela acendeu outro cigarro. Ele foi caminhar no calçadão. Ela chorou. Ele chegou suado e feliz. Ela enxugou as lágrimas. Ele não percebeu que ela havia chorado. Ela não disse nada. Ele foi ler o jornal. Ela pegou um livro qualquer. Ele leu o jornal inteiro. Ela não leu nem uma linha. Ele nem percebeu. Eles saíram para almoçar. Ele pediu um filé com fritas. Ela pediu um frango. Ele comeu tudo. Ela deixou metade do prato. Ele não jogou o que sobrou no lixo. Ela quis ir para casa. Ele quis pegar um cinema. Eles foram ver um filme romântico. Ela chorou. Ele a beijou. Ela enxugou as lágrimas. Ele bocejou. Eles voltaram para casa. Ele tirou uma soneca de tarde. Ela não tinha sono. Ele acordou. Ela não estava lá. Ele gritou por ela. Ela não estava lá. Ele a procurou na casa inteira. Ela não estava lá. Ele vestiu uma roupa. Ela não estava lá. Ele pegou correndo o elevador. Ela não estava lá. Ele saiu pela portaria do prédio. Ela lá estava, em sua frente, mala na mão, pegando um táxi. Ele pediu desculpas por qualquer coisa que tivesse feito, falou que tudo mudaria, disse que a amava. Ela nada disse. Ele chorou. Ela beijou sua testa e abaixou os olhos. Ele chorou. Ela pegou o táxi e desapareceu pela rua. Ele a viu pegar o táxi e desaparecer pela rua. Ela não tinha direção. Ele não tinha direção. Era domingo e o relógio da igreja tocou às seis horas da tarde.

escrito ao som de Velvet Underground - Velvet Underground and Nico

quarta-feira, agosto 17, 2005

Diálogos (I e II)

os dois amantes se separaram.

ele queria o corpo;
ela queria a alma.

os dois amantes se separaram.

eles não sabiam
que queriam
no fundo
a mesma
coisa

*******

Depois da décima-quinta cerveja.

- Vê só, ela ao contrário é ela também.
- Não, não é. É ale.
- Por isso que eu digo que você nunca poderia se apaixonar.

escrito ao som de Ella Fitzgerald - The Cole Porter Songbook

segunda-feira, agosto 15, 2005

Para o dia em que sou feliz

Me sinto só,
Sem as dores rasas de meu corpo
Sem o vento sujo de meu porto
Sem o brado alto de meus pais

Me sinto só,
Com o romantismo que não tenho
Com as esperanças que desdenho
Com toda essa vida pela frente

E ao invés de abrir-me num sorriso
Dispo secas lágrimas, somente.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Oh, lonesome me

"Everybody's going out and having fun
I'm a fool for staying home and having none.
I can't get over how she set me free.
Oh, lonesome me.

There must be some way that I can lose these lonesome blues
Forget about my past and find someone new
I've thought of everything from A to Z
Oh, lonesome me.

I'll bet she's not like me.
She's out and fancy free,
Flirting with the boys with all her charms
But I still love her so,
And brother don't you know
I'd welcome her right back here in my arms."

Neil Young sabe das coisas...

************

Vê, no fundo não é você, o mundo, nada disso. No fundo, eu que não sei ser feliz.

escrito ao som de Neil Young - After the Gold Rush

quinta-feira, agosto 11, 2005

Monólogos

- Mas é óbvio que as mulheres preferem os canalhas. Óbvio. E a verdade é que elas tão certas, elas tão sempre certas. Porra, qual a graça de alguém que diz eu te amo todos os dias, compra flores, prepara o jantar, está sempre disponível? Cansa, sabe? A mulher quer o desconhecido, o misterioso. Um cara que não chega em casa quando diz que vai chegar, que fede à cerveja, que desaparece do nada e quando aparece tá com marca de batom no colarinho. E depois diz eu te amo me perdoa e ela fica querendo acreditar. Por esse cara ela vai chorar, vai sofrer, vai querer se matar. Porque ela não sabe, entende? Ela não sabe quem esse cara é, sabe e não sabe. Já você, e eu, que choramos aqui no bar todas as noites por nossos amores inalcançáveis, já a gente a mulher descobre em um segundo. Descobre, devora e esquece. Vou te dizer, amigo. Pode escrever. Não há nada mais chato e óbvio do que um homem triste e apaixonado.

********

Você me pede, com pena e carinho, para eu não ter falsas esperanças. Mas meu amor, você não sabe que todas as esperanças são verdadeiras?

escrito ao som de Django Reinhardt - Souvenirs

terça-feira, agosto 09, 2005

Pequenos drops culturais pt. 1 - Guerra dos Mundos

Até que se prove o contrário, Guerra dos Mundos é o filme subestimado da temporada, e isso vem de um não-fã do Spielberg. Talvez por essa razão me tenha parecido óbvio de que se trata de uma obra paródica não só com a construção dos filmes-catástrofe recentes, mas a própria carreira do diretor. A vitória do bem sobre o mal e a famosa questão familiar mal-resolvida dele são vistas sob um prisma quase humorístico, entrando em cena de forma absurda, tosca, sem contextualização ou verossimilhança, como se ele estivesse dando, em um ato auto-irônico, exatamente aquilo que o público quer ver, mas só por causa disso. Dessa forma, o terceiro ato é basicamente inexistente. Para deixar essa proposta ainda mais explícita, Spielberg "planta" um bando de elementos - a arma, o fato de Cruise ser o melhor guindasteiro do mundo, o pretenso "par romântico" do protagonista, que aparece no meio do filme para sumir um segundo depois - que, basicamente, são abandonados sem mais nem menos, não tendo a menor função na trama. Além disso, interrompe totalmente o ritmo de "Guerra..." no meio para inserir um comentário político - coisa rara em suas obras -, tratando o conservador paranóico americano como um autêntico retardado. Aliás, é dessa parte - certamente a mais chata do filme -, a cena mais inacreditável. Sem nenhuma necessidade, o diretor classe-média, senso comum, politicamente correto, bota no meio do filme uma passagem onde Cruise mata o personagem de Robbins com as próprias mãos, deliberadamente, na frente da filha! Se isso não é paródia, não sei o que é. Ah, leitor, você pode dizer que simplesmente o cara desaprendeu a fazer filmes e errou tudo na hora. Bem, eu não acredito que o peão-mor de Hollywood nos últimos 30 anos seria ingênuo a esse ponto. Além do mais, a primeira metade do filme é realmente boa, com o caos humano promovendo uma atmosfera de destruição e terror, nesse esquema "cada um por si", do qual até o protagonista - sempre anti-herói - participa. Leitor, você pode argumentar, sim, que no fundo o Spielberg parece defender essa ideologia. Mas, leitor, você precisa ser tão chato?

escrito ao som de Guilherme de Brito - Folhas Secas

sábado, agosto 06, 2005

na rua

você corre
apressada
dá dois
beijinhos
e se lembra
de perguntar

como vai a vida?

baby,
eu sei que
você sabe
a resposta

sexta-feira, agosto 05, 2005

O telefonema - II

Mais uma vez, ela ligou. Triste e desamparada, sentindo sua falta. Querendo marcar um cinema ou coisa que o valha. Ligou, mais uma vez, depois de meses. Depois de tê-lo abandonado, cansada de seu caráter, seu estilo, seus humores, sem nem uma carta, um telefonema, nada, mais uma vez. Ela ligou. Depois de meses. Quando ele enfim se recuperara, começara a namorar, achara uma garota interessante e bonita e atenciosa. Ela ligou. Querendo marcar um restaurante ou coisa que o valha. Meses depois. De ele ter pensado em mudar de cidade, destruir o quarto, se suicidar. De ter retirado as marcas de vinho da cama, as fotos conjuntas da casa, as dores profundas do corpo. De ter percebido que ela não iria mudar, que era assim e seria sempre. Que ela o trairia novamente, o abandonaria mais uma vez. Ela ligou. Querendo marcar um passeio ou coisa que o valha. Quando ele enfim se recuperara. Depois de meses. Provavelmente deprimida por causa de algum babaca que nunca, na vida, ligou para ela. E ela ligou. De alguns, entre tantos, que ela preferira em detrimento a ele, sempre tão dócil, dedicado, apaixonado. Mas ela ligou. Meses depois. Querendo marcar um motel ou coisa que o valha. Quando seu quarto já estava rearrumado, sua cama com o perfume da outra, o mundo no lugar. Mais uma vez. Depois de meses. Ela ligou. Ele quis dizer não.

quinta-feira, agosto 04, 2005

A Um Passarinho

Para que vieste
Na minha janela
Meter o nariz?
Se foi por um verso
Não sou mais poeta
Ando tão feliz!

(...)

Tristeza não tem fim,
Felicidade sim.

**********

Atualizado na segunda, na terça e agora na quarta. Depois de um hiato de uma semana e meia, na qual a felicidade contemplou o peito do "artista", mesmo que por breves momentos, eis que o blog ressurge a todo vapor. Se por acaso eu parar de escrever novamente, não se entristeçam, meu peito se encheu de sol e fui para a praia. Mas se, como me parece, eu passar a atualizar esse comboio de chips diariamente, ou quase, é que voltei ao normal, e estou precisando de arte, esmola dos solitários, para sobreviver. De forma alguma sou poeta, eu sei, mas pelo menos sou triste, e isso já conta algo. Portanto, até amanhã, pessoal.

p.s: novos links aí do lado.

escrito ao som de Gilberto Gil - Gilberto Gil (1968)

terça-feira, agosto 02, 2005

Black Pearl

se eu
disser
te amo
e des
dizer
no mês
seguinte
no dia
seguinte
na hora
seguinte
no seguinte
minuto
saiba que
naquele
minuto
eu te
amei

O telefonema

e então eu resolvo ligar para sua casa e perguntar como foi seu dia e quais são seus planos e quantos são seus sonhos e por que você é triste e o que vai fazer hoje à noite e confessar como eu lhe adoro e amo e quero casar com você e ser enterrado ao seu lado e ter dois lindos filhos e um cachorro passeando no jardim de nossa casa e revelar os meus podres mais secretos e os meus segredos mais podres e todos os dias em que gastei minhas noites e meus dias pensando em você e chorar e gritar e cantar e sorrir e dizer que mesmo sem saber nada de você por você eu morreria agora nesse momento nesse instante e nesse instante eu lembro que nem o seu número eu sei.

********

é, o blog do nada está de volta, depois de mais de uma semana de descanso. vamos ver se agora emplaca de vez. amanhã, novos links entram aí do lado, e quem sabe um novo conto aqui em cima. eu vs. a preguiça. quem ganha dessa vez?

escrito ao som de Los Hermanos - 4