sexta-feira, agosto 05, 2005

O telefonema - II

Mais uma vez, ela ligou. Triste e desamparada, sentindo sua falta. Querendo marcar um cinema ou coisa que o valha. Ligou, mais uma vez, depois de meses. Depois de tê-lo abandonado, cansada de seu caráter, seu estilo, seus humores, sem nem uma carta, um telefonema, nada, mais uma vez. Ela ligou. Depois de meses. Quando ele enfim se recuperara, começara a namorar, achara uma garota interessante e bonita e atenciosa. Ela ligou. Querendo marcar um restaurante ou coisa que o valha. Meses depois. De ele ter pensado em mudar de cidade, destruir o quarto, se suicidar. De ter retirado as marcas de vinho da cama, as fotos conjuntas da casa, as dores profundas do corpo. De ter percebido que ela não iria mudar, que era assim e seria sempre. Que ela o trairia novamente, o abandonaria mais uma vez. Ela ligou. Querendo marcar um passeio ou coisa que o valha. Quando ele enfim se recuperara. Depois de meses. Provavelmente deprimida por causa de algum babaca que nunca, na vida, ligou para ela. E ela ligou. De alguns, entre tantos, que ela preferira em detrimento a ele, sempre tão dócil, dedicado, apaixonado. Mas ela ligou. Meses depois. Querendo marcar um motel ou coisa que o valha. Quando seu quarto já estava rearrumado, sua cama com o perfume da outra, o mundo no lugar. Mais uma vez. Depois de meses. Ela ligou. Ele quis dizer não.

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