Diálogos (III)
a gente fala
com
pessoas
que falam
com
pessoas
que
falam com
pessoas
que falam com
pessoas
que
falam com
pessoas
que
falam
com
a gente
fala
escrito ao som de The Kinks - Face to Face
Um blog de devaneios, elucubrações, pensamentos. Alguns reais, outros não. Mas qual a diferença?
a gente fala
Para você que está na fossa, batendo cabeça, chorando nos cantos - e nos meios -, pensando em se tacar da janela mais próxima pra não precisar nem andar muito, achando que a vida não tem sentido algum ou que até pode ter, mas e daí?, que um deus maligno resolveu te sacanear pra se divertir um pouquinho já que você não se diverte mesmo, que as surpresas do destino não são lá grandes coisas, enfim, que cê tá fudido e vai continuar assim amanhã e depois e sabe-se lá até quando, bem, eu tenho a solução. E é simples.
se nossos
Começando agora no Canal Brasil: Doutor Florindo e Suas Duas Mulheres. O filme é de 77, um ano depois do Dona Flor da Sônia Braga. Não vou ver, mas o título é genial.
eu não quero da vida porra nenhuma a não ser gozar.
Era domingo e o despertador tocou às oito horas da manhã. Ela acordou. Ele quis dormir mais um pouco. Ela foi preparar o café. Ele acordou. Ela disse que não tinha pão nem leite. Ele disse que não tomava leite. Ela gostava de leite. Ele saiu para comprar pão. Ela chorou. Ele chegou com pão, leite, queijo e presunto. Ela enxugou as lágrimas. Ele não percebeu que ela havia chorado. Ela disse que o amava. Ele disse que a amava também. Eles comeram os sanduíches de pão, presunto e queijo. Ele tomou uma xícara de café. Ela não tomou leite algum. Ele nem percebeu. Ela deixou metade do pão no prato. Ele jogou o que sobrou no lixo. Ela acendeu um cigarro. Ele não fumava. Ela acendeu outro cigarro. Ele foi caminhar no calçadão. Ela chorou. Ele chegou suado e feliz. Ela enxugou as lágrimas. Ele não percebeu que ela havia chorado. Ela não disse nada. Ele foi ler o jornal. Ela pegou um livro qualquer. Ele leu o jornal inteiro. Ela não leu nem uma linha. Ele nem percebeu. Eles saíram para almoçar. Ele pediu um filé com fritas. Ela pediu um frango. Ele comeu tudo. Ela deixou metade do prato. Ele não jogou o que sobrou no lixo. Ela quis ir para casa. Ele quis pegar um cinema. Eles foram ver um filme romântico. Ela chorou. Ele a beijou. Ela enxugou as lágrimas. Ele bocejou. Eles voltaram para casa. Ele tirou uma soneca de tarde. Ela não tinha sono. Ele acordou. Ela não estava lá. Ele gritou por ela. Ela não estava lá. Ele a procurou na casa inteira. Ela não estava lá. Ele vestiu uma roupa. Ela não estava lá. Ele pegou correndo o elevador. Ela não estava lá. Ele saiu pela portaria do prédio. Ela lá estava, em sua frente, mala na mão, pegando um táxi. Ele pediu desculpas por qualquer coisa que tivesse feito, falou que tudo mudaria, disse que a amava. Ela nada disse. Ele chorou. Ela beijou sua testa e abaixou os olhos. Ele chorou. Ela pegou o táxi e desapareceu pela rua. Ele a viu pegar o táxi e desaparecer pela rua. Ela não tinha direção. Ele não tinha direção. Era domingo e o relógio da igreja tocou às seis horas da tarde.
os dois amantes se separaram.
Me sinto só,
"Everybody's going out and having fun
- Mas é óbvio que as mulheres preferem os canalhas. Óbvio. E a verdade é que elas tão certas, elas tão sempre certas. Porra, qual a graça de alguém que diz eu te amo todos os dias, compra flores, prepara o jantar, está sempre disponível? Cansa, sabe? A mulher quer o desconhecido, o misterioso. Um cara que não chega em casa quando diz que vai chegar, que fede à cerveja, que desaparece do nada e quando aparece tá com marca de batom no colarinho. E depois diz eu te amo me perdoa e ela fica querendo acreditar. Por esse cara ela vai chorar, vai sofrer, vai querer se matar. Porque ela não sabe, entende? Ela não sabe quem esse cara é, sabe e não sabe. Já você, e eu, que choramos aqui no bar todas as noites por nossos amores inalcançáveis, já a gente a mulher descobre em um segundo. Descobre, devora e esquece. Vou te dizer, amigo. Pode escrever. Não há nada mais chato e óbvio do que um homem triste e apaixonado.
Até que se prove o contrário, Guerra dos Mundos é o filme subestimado da temporada, e isso vem de um não-fã do Spielberg. Talvez por essa razão me tenha parecido óbvio de que se trata de uma obra paródica não só com a construção dos filmes-catástrofe recentes, mas a própria carreira do diretor. A vitória do bem sobre o mal e a famosa questão familiar mal-resolvida dele são vistas sob um prisma quase humorístico, entrando em cena de forma absurda, tosca, sem contextualização ou verossimilhança, como se ele estivesse dando, em um ato auto-irônico, exatamente aquilo que o público quer ver, mas só por causa disso. Dessa forma, o terceiro ato é basicamente inexistente. Para deixar essa proposta ainda mais explícita, Spielberg "planta" um bando de elementos - a arma, o fato de Cruise ser o melhor guindasteiro do mundo, o pretenso "par romântico" do protagonista, que aparece no meio do filme para sumir um segundo depois - que, basicamente, são abandonados sem mais nem menos, não tendo a menor função na trama. Além disso, interrompe totalmente o ritmo de "Guerra..." no meio para inserir um comentário político - coisa rara em suas obras -, tratando o conservador paranóico americano como um autêntico retardado. Aliás, é dessa parte - certamente a mais chata do filme -, a cena mais inacreditável. Sem nenhuma necessidade, o diretor classe-média, senso comum, politicamente correto, bota no meio do filme uma passagem onde Cruise mata o personagem de Robbins com as próprias mãos, deliberadamente, na frente da filha! Se isso não é paródia, não sei o que é. Ah, leitor, você pode dizer que simplesmente o cara desaprendeu a fazer filmes e errou tudo na hora. Bem, eu não acredito que o peão-mor de Hollywood nos últimos 30 anos seria ingênuo a esse ponto. Além do mais, a primeira metade do filme é realmente boa, com o caos humano promovendo uma atmosfera de destruição e terror, nesse esquema "cada um por si", do qual até o protagonista - sempre anti-herói - participa. Leitor, você pode argumentar, sim, que no fundo o Spielberg parece defender essa ideologia. Mas, leitor, você precisa ser tão chato?
você corre
Mais uma vez, ela ligou. Triste e desamparada, sentindo sua falta. Querendo marcar um cinema ou coisa que o valha. Ligou, mais uma vez, depois de meses. Depois de tê-lo abandonado, cansada de seu caráter, seu estilo, seus humores, sem nem uma carta, um telefonema, nada, mais uma vez. Ela ligou. Depois de meses. Quando ele enfim se recuperara, começara a namorar, achara uma garota interessante e bonita e atenciosa. Ela ligou. Querendo marcar um restaurante ou coisa que o valha. Meses depois. De ele ter pensado em mudar de cidade, destruir o quarto, se suicidar. De ter retirado as marcas de vinho da cama, as fotos conjuntas da casa, as dores profundas do corpo. De ter percebido que ela não iria mudar, que era assim e seria sempre. Que ela o trairia novamente, o abandonaria mais uma vez. Ela ligou. Querendo marcar um passeio ou coisa que o valha. Quando ele enfim se recuperara. Depois de meses. Provavelmente deprimida por causa de algum babaca que nunca, na vida, ligou para ela. E ela ligou. De alguns, entre tantos, que ela preferira em detrimento a ele, sempre tão dócil, dedicado, apaixonado. Mas ela ligou. Meses depois. Querendo marcar um motel ou coisa que o valha. Quando seu quarto já estava rearrumado, sua cama com o perfume da outra, o mundo no lugar. Mais uma vez. Depois de meses. Ela ligou. Ele quis dizer não.
Para que vieste
se eu
e então eu resolvo ligar para sua casa e perguntar como foi seu dia e quais são seus planos e quantos são seus sonhos e por que você é triste e o que vai fazer hoje à noite e confessar como eu lhe adoro e amo e quero casar com você e ser enterrado ao seu lado e ter dois lindos filhos e um cachorro passeando no jardim de nossa casa e revelar os meus podres mais secretos e os meus segredos mais podres e todos os dias em que gastei minhas noites e meus dias pensando em você e chorar e gritar e cantar e sorrir e dizer que mesmo sem saber nada de você por você eu morreria agora nesse momento nesse instante e nesse instante eu lembro que nem o seu número eu sei.