sábado, outubro 29, 2005

lírica


uma clave de

em meu peito

que até chegar em
sol
desafina
o sujeito

sexta-feira, outubro 28, 2005

pequenos pensamentos do dia

se o referendo do não ganhou de lavada pelo motivo mais absurdo, conservador e reacionário do mundo - a liberdade individual de portar armas, isto é, a liberdade individual de matar alguém - por que não utilizar este mesmo pensamento para um fim muito mais útil e inofensivo: a liberdade individual de consumir drogas? afinal, se nos permitem sair por aí atirando nas pessoas - ou se pelo menos nos dão essa possibilidade - permitir que consumamos qualquer espécie de droga no conforto individual de nossos lares não parece algo tão absurdo. ah, e para os que votaram não para a probição de armas com o argumento de que aumentaria o tráfico, pensem bem, nós acabaríamos com um tráfico inteiro! acho que às vezes más votações podem trazer bons resultados. se bem que...não, não podem.

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crash, de paul haggis, chegou aos cinemas e o bonequinho do globo - como esperado - dá cotação máxima. não duvido nada que chegue ao oscar, estando entre os cinco tanto em roteiro como em direção. no imdb, é o 56º melhor filme de todos os tempos. certas horas eu me pergunto: "por que não resolvi fazer faculdade de engenharia?"

por sinal, há crítica minha do filme no planosergioleone. é só ir com o cursor do mouse tudo pra baixo. divirtam-se.

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espero, inerte, a hora em que meu mundo se limite a uma cadeira e um computador. já não compro discos e estou a um passo de deixar de alugar dvds. não que eu ache isso legal, apenas sei que é um caminho irreversível. um hd espaçoso e uma máquina potente: não há droga mais poderosa inventada pelo homem.

será que existe algum grupo de auto-ajuda estilo neo-nerds anônimos? bom dia, meu nome é leonardo levis e eu não consumo computador há quinze dias. clapclapclap. ontem, inclusive, andei de bicicleta e fui à praia! clapclapclap. e a orientadora, vendo minha cor, me olha com a cara emburrada de eu sei que você está mentindo. bem, se tiver, tô dentro.

mas desde que seja por msn...

escrito ao som de the fiery furnaces - blueberry boat

terça-feira, outubro 25, 2005

a outra

depois de mais uma madrugada insone, triste, sozinha; de passar pelos canais de televisão esperando que algum trouxesse qualquer espécie de remédio; de sentir o corpo se afogando, sem volta, na cama, no chão, na parede, o corpo se afogando e desaparecendo pelo quarto inteiro; de pensar em cortar os pulsos, tomar remédios, se tacar pela janela; de começar a escrever uma carta de adeus, dessa vez definitiva, diferente de ontem, ou anteontem, ou das milhões de outras cartas; depois de socar o próprio peito algumas vezes esperando que batesse mais forte, ou mais devagar, ou mesmo parasse de bater – mas que não batesse mais por ela, por favor – ele decidiu. não bateria.

quando, nos dias, e meses, seguintes, a encontrava, virava os olhos, se escondia. quando ela vinha lhe cumprimentar, balbuciava algo de incompreensível, e fugia. quando rolava – às vezes rolava – de reconhecerem-se em algum bar, sentava no canto oposto das mesas, e sofria. e de sofrer muito, sofrer incomensuravelmente, sofrer simplesmente – que a palavra sofrer já basta -, de sofrer foi vivendo. até que, em uma manhã de chuva, manhã como todas as outras manhãs o são, ele acordou sorridente. e, então, ao se encontrarem, ele disse oi, ela disse oi, ele disse tenho que ir, e foi.

antes de chegar em casa, com a alma, e a cabeça, e o corpo descansados, com a vida em ordem e as coisas no lugar, decidiu tomar uma cerveja, sozinho, enfim sozinho, para comemorar. foi quando viu uma outra, qualquer outra, outra outra, uma nova outra passar.

quarta-feira, outubro 19, 2005

na matinê

são dois ombros

um nu
outro

outro
num

são
(antes de tudo)

dois ombros

before de beginning
do mundo

dois ombros

(e depois de tudo)
duas almas

não,
tira,

dois ombros mesmo

porque de apenas
dois ombros

simplesmente
dois ombros

tão somente
dois ombros

se faz poesia

terça-feira, outubro 18, 2005

o mundo

ele, então, percebeu. não era por ela que sofria. sofria, sim, e muito. mas não por ela. sofria porque não entendia. se ele gostava dela, naturalmente, ela deveria gostar dele. esse era o caminho lógico, o caminho prático, o caminho simples. e então ele sofria. não porque ela não gostava dele, mas porque deveria gostar. sofria porque simplesmente não havia sentido algum. porque ela não gostar dele representava toda a tragédia que é o mundo. as dores de todos os seres humanos, a miséria moral do planeta inteiro. ele sofria porque ela não gostar dele significa que não havia mais conserto. mas não sofria por ela. ela não merecia seu sofrimento. isso ele sabia. mas ele sofria. sofria porque o mundo é um lugar extremamente cruel, sofria por não haver solução, sofria porque a fé já não mais cabia. e então ele sofria. um dia ele perguntou “por quê?”. ela não soube responder.

sábado, outubro 15, 2005

destino

Ele se chamava Arnaldo Moura. Ela, Julia Conceição. Os dois, surpreendentemente, nunca se conheceram.

segunda-feira, outubro 10, 2005

encontro

assim os dois iam, sendo, ele gostando dela, ela sabendo disso, eles vivendo em paz, ou quase, ou não, ele sofrendo um pouco, ela sofrendo um pouco, não por ele, por outra coisa, que ele não sabia mesmo. e assim os dois iam, ou ficavam parados, porque às vezes ir ou ficar parado é a mesma coisa, às vezes a felicidade não chega de qualquer forma, e então os dois conversavam sobre a vida, sobre o tempo, sobre nada mesmo, os dois conversavam porque queriam no fundo ser felizes, ele com ela, ela com o mundo e, no fundo, os dois não eram, mas ele não falava isso pra ela, ela não falava isso pra ele, e os dois conversavam, mesmo assim. até que ele, meio olhando para os lados, meio roendo as unhas, meio com a mão no bolso, chamou ela pruma cerveja, ou um café, porque café é mais íntimo do que cerveja, e ela, meio aflita, meio receosa, meio constrangida, pensou por que não?, e os dois foram tomar um café, ou uma cerveja, porque cerveja é mais sociável do que café. e assim os dois sentaram, meio sem-jeito, meio sem palavras, meio sem assunto, e pediram a primeira garrafa, a segunda, ele segurando o olhar, ela olhando pro nada, e a terceira, a quarta, ele olhando disfarçadamente, ela fingindo não perceber, e a quinta, a sexta, ele maliciosamente, ela maliciosamente, e a sétima, a oitava, ele a mão na perna dela, ela a mão no braço dele, e a nona, a décima e a conta, que o bar tinha que fechar. e então ele disse que esperaria o ônibus dela, e ela ficou feliz porque o ônibus demorava a passar, e os dois ficaram um pouco sem saber o que fazer porque passaram três ônibus dele e nenhum dela, e o ônibus não passava de jeito maneira, e então ela encostou sua mão no ombro dele, ele na cintura dela, e os dois se beijaram, e se beijaram, os dois se beijaram, quanto tempo ninguém sabe, um minuto, dois, dez, e então o ônibus passou e ele quis dizer fica fica espera vai não mas não disse, ele sabia que de nada adiantaria,e o ônibus parou e então ela deu um tchau e pegou a condução e ele ficou olhando ela ir embora para além de sua vista. na rua, com lágrimas nos olhos, ele pensou que sua alma se estilhaçara pela primeira vez. no ônibus, ela dormia tranqüilamente.