lírica
há
uma clave de
fá
em meu peito
que até chegar em
sol
desafina
o sujeito
Um blog de devaneios, elucubrações, pensamentos. Alguns reais, outros não. Mas qual a diferença?
se o referendo do não ganhou de lavada pelo motivo mais absurdo, conservador e reacionário do mundo - a liberdade individual de portar armas, isto é, a liberdade individual de matar alguém - por que não utilizar este mesmo pensamento para um fim muito mais útil e inofensivo: a liberdade individual de consumir drogas? afinal, se nos permitem sair por aí atirando nas pessoas - ou se pelo menos nos dão essa possibilidade - permitir que consumamos qualquer espécie de droga no conforto individual de nossos lares não parece algo tão absurdo. ah, e para os que votaram não para a probição de armas com o argumento de que aumentaria o tráfico, pensem bem, nós acabaríamos com um tráfico inteiro! acho que às vezes más votações podem trazer bons resultados. se bem que...não, não podem.
depois de mais uma madrugada insone, triste, sozinha; de passar pelos canais de televisão esperando que algum trouxesse qualquer espécie de remédio; de sentir o corpo se afogando, sem volta, na cama, no chão, na parede, o corpo se afogando e desaparecendo pelo quarto inteiro; de pensar em cortar os pulsos, tomar remédios, se tacar pela janela; de começar a escrever uma carta de adeus, dessa vez definitiva, diferente de ontem, ou anteontem, ou das milhões de outras cartas; depois de socar o próprio peito algumas vezes esperando que batesse mais forte, ou mais devagar, ou mesmo parasse de bater – mas que não batesse mais por ela, por favor – ele decidiu. não bateria.
são dois ombros
ele, então, percebeu. não era por ela que sofria. sofria, sim, e muito. mas não por ela. sofria porque não entendia. se ele gostava dela, naturalmente, ela deveria gostar dele. esse era o caminho lógico, o caminho prático, o caminho simples. e então ele sofria. não porque ela não gostava dele, mas porque deveria gostar. sofria porque simplesmente não havia sentido algum. porque ela não gostar dele representava toda a tragédia que é o mundo. as dores de todos os seres humanos, a miséria moral do planeta inteiro. ele sofria porque ela não gostar dele significa que não havia mais conserto. mas não sofria por ela. ela não merecia seu sofrimento. isso ele sabia. mas ele sofria. sofria porque o mundo é um lugar extremamente cruel, sofria por não haver solução, sofria porque a fé já não mais cabia. e então ele sofria. um dia ele perguntou “por quê?”. ela não soube responder.
Ele se chamava Arnaldo Moura. Ela, Julia Conceição. Os dois, surpreendentemente, nunca se conheceram.
assim os dois iam, sendo, ele gostando dela, ela sabendo disso, eles vivendo em paz, ou quase, ou não, ele sofrendo um pouco, ela sofrendo um pouco, não por ele, por outra coisa, que ele não sabia mesmo. e assim os dois iam, ou ficavam parados, porque às vezes ir ou ficar parado é a mesma coisa, às vezes a felicidade não chega de qualquer forma, e então os dois conversavam sobre a vida, sobre o tempo, sobre nada mesmo, os dois conversavam porque queriam no fundo ser felizes, ele com ela, ela com o mundo e, no fundo, os dois não eram, mas ele não falava isso pra ela, ela não falava isso pra ele, e os dois conversavam, mesmo assim. até que ele, meio olhando para os lados, meio roendo as unhas, meio com a mão no bolso, chamou ela pruma cerveja, ou um café, porque café é mais íntimo do que cerveja, e ela, meio aflita, meio receosa, meio constrangida, pensou por que não?, e os dois foram tomar um café, ou uma cerveja, porque cerveja é mais sociável do que café. e assim os dois sentaram, meio sem-jeito, meio sem palavras, meio sem assunto, e pediram a primeira garrafa, a segunda, ele segurando o olhar, ela olhando pro nada, e a terceira, a quarta, ele olhando disfarçadamente, ela fingindo não perceber, e a quinta, a sexta, ele maliciosamente, ela maliciosamente, e a sétima, a oitava, ele a mão na perna dela, ela a mão no braço dele, e a nona, a décima e a conta, que o bar tinha que fechar. e então ele disse que esperaria o ônibus dela, e ela ficou feliz porque o ônibus demorava a passar, e os dois ficaram um pouco sem saber o que fazer porque passaram três ônibus dele e nenhum dela, e o ônibus não passava de jeito maneira, e então ela encostou sua mão no ombro dele, ele na cintura dela, e os dois se beijaram, e se beijaram, os dois se beijaram, quanto tempo ninguém sabe, um minuto, dois, dez, e então o ônibus passou e ele quis dizer fica fica espera vai não mas não disse, ele sabia que de nada adiantaria,e o ônibus parou e então ela deu um tchau e pegou a condução e ele ficou olhando ela ir embora para além de sua vista. na rua, com lágrimas nos olhos, ele pensou que sua alma se estilhaçara pela primeira vez. no ônibus, ela dormia tranqüilamente.