segunda-feira, outubro 10, 2005

encontro

assim os dois iam, sendo, ele gostando dela, ela sabendo disso, eles vivendo em paz, ou quase, ou não, ele sofrendo um pouco, ela sofrendo um pouco, não por ele, por outra coisa, que ele não sabia mesmo. e assim os dois iam, ou ficavam parados, porque às vezes ir ou ficar parado é a mesma coisa, às vezes a felicidade não chega de qualquer forma, e então os dois conversavam sobre a vida, sobre o tempo, sobre nada mesmo, os dois conversavam porque queriam no fundo ser felizes, ele com ela, ela com o mundo e, no fundo, os dois não eram, mas ele não falava isso pra ela, ela não falava isso pra ele, e os dois conversavam, mesmo assim. até que ele, meio olhando para os lados, meio roendo as unhas, meio com a mão no bolso, chamou ela pruma cerveja, ou um café, porque café é mais íntimo do que cerveja, e ela, meio aflita, meio receosa, meio constrangida, pensou por que não?, e os dois foram tomar um café, ou uma cerveja, porque cerveja é mais sociável do que café. e assim os dois sentaram, meio sem-jeito, meio sem palavras, meio sem assunto, e pediram a primeira garrafa, a segunda, ele segurando o olhar, ela olhando pro nada, e a terceira, a quarta, ele olhando disfarçadamente, ela fingindo não perceber, e a quinta, a sexta, ele maliciosamente, ela maliciosamente, e a sétima, a oitava, ele a mão na perna dela, ela a mão no braço dele, e a nona, a décima e a conta, que o bar tinha que fechar. e então ele disse que esperaria o ônibus dela, e ela ficou feliz porque o ônibus demorava a passar, e os dois ficaram um pouco sem saber o que fazer porque passaram três ônibus dele e nenhum dela, e o ônibus não passava de jeito maneira, e então ela encostou sua mão no ombro dele, ele na cintura dela, e os dois se beijaram, e se beijaram, os dois se beijaram, quanto tempo ninguém sabe, um minuto, dois, dez, e então o ônibus passou e ele quis dizer fica fica espera vai não mas não disse, ele sabia que de nada adiantaria,e o ônibus parou e então ela deu um tchau e pegou a condução e ele ficou olhando ela ir embora para além de sua vista. na rua, com lágrimas nos olhos, ele pensou que sua alma se estilhaçara pela primeira vez. no ônibus, ela dormia tranqüilamente.

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