quinta-feira, julho 21, 2005

The Book Is On The Table

"- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minha alma!...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!"

Augusto dos Anjos, Árvore da Terra

Esse e outros livros você encontra aqui, no Portal Do Ateísmo. A seção de filosofia, principalmente, é bastante boa. E não se preocupe, caro leitor religioso, a seleção dos livros se deve à qualidade literária, não ao ponto-de-vista do portal.

escrito ao som de Cowboy Junkies - One Soul Now

Sem Medo

Pra visitar teu corpo, amor
Trago como ingresso as mãos
Bem cheinhas de calor
Os lábios a tremer
Medo de não poder
E o amor não valer

Eu quero
Te rezar uns terços
Te falar em versos
Te ninar em berços
Me perder no meio
Do teu lindo corpo
Beijar teus seios
Me sentir bem morto

E poder voltar
Amanhã mais cedo
Teu corpo visitar
Dessa vez sem medo

João Nogueira, no belo álbum Vida Boêmia

escrito ao som de João Nogueira - Vida Boêmia

segunda-feira, julho 18, 2005

"esse casaco me dá frio"

- Palarelepí...pararelepí...paralerepí...

Bêbado não fala, cai.

*****

Como o tempo passou e eu não tive saco de escrever nada sobre a Flip, melhor mesmo é roubar a escrita dos outros.

Assim, o negócio é ler o resumão do Fred. Recomendo. Ele esqueceu o fantástico roubo das revistinhas pornôs, é verdade, mas essa história eu conto depois.

Faltam fotos também?
Ah, tem aqui. Copyrights para Bruna Beber.

E que venha a Flip 2006.

escrito ao som de Yann Tiersen - L'Absente

sábado, julho 16, 2005

Irmãos

Os pais morreram cedo. Acidente de carro, provavelmente. Avião, com alguma possibilidade. Tédio, talvez. Antônio e Clara não quiseram saber. Os dois irmãos já dependiam apenas de si próprios. Ele tinha seis anos, ela, cinco, mas não havia diferença. Na necessidade de serem criados por alguém, foram-no pela avó, que os educou com amor, carinho e mingau quente todos os dias. Eles não gostavam de mingau. Eles não gostavam muito da avó. Eles gostavam mesmo era um do outro. Ele tinha um ano a mais que ela, mas não havia diferença. Era como se tivessem nascido no mesmo dia.

Quando Antônio deu seu primeiro beijo, aos 9 anos, Clara soube no mesmo instante. Foi a ele que ela se indagou sobre sua primeira menstruação, aos 11. Aos 13, quando um experimentou maconha, o outro deu um tapinha. No dia em que um perdeu a virgindade, aos 14, o outro ouvia por trás da porta. E assim foram, assim foi, assim queriam ir pelo restante da vida. Ele ela. Os dois sempre. E seguiram vivendo. Brincando com a vida como se brinca de médico.

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(Aos 23 anos, Antônio descobriu-se com Aids. Algum acúmulo de drogas pesadas e sexo livre. Aids. O preço da felicidade. Aids. 23 anos. Aids. Não contou a Clara, porém. Sabia que ela morreria se soubesse. Mas sofreu. Antônio sofreu. Não pela Aids. Não. É que nunca havia escondido nada de sua irmã.)

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Certo dia, os dois voltavam de uma rave, das muitas que foram ao longo da vida. Ecstasy e bebida. Tuctuctuc. Os dois em casa. Clara dançando e Antônio vendo Clara dançar. Tuctuctuc. Ecstasy e bebida. Clara olhando Antônio vendo Clara dançar. Clara e Antônio. Tuctuctuc. Ecstasy e bebida. Clara e bebida. Antônio e Clara. Bebida e ecstasy. Clara e Antônio. Tuctuctuc.

Os braços dos dois, as pernas dos dois, o pau de Antônio em Clara. A noite inteira. Uma vez, duas, três. A noite inteira e Clara gozando como nunca. E Clara gozando. E Antônio gemendo. E Clara gritando. E dente na nuca, mão no cabelo, unhas nas costas. Unhas na nuca, dente nas costas. Grito no grito. A noite inteira.

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Tempos depois, Antônio em casa, o corpo já marcado pela doença. Clara o espera, papel na mão. Espera Clara, calada e sombria. Papel na mão. Positivo.

- Foi de propósito?

...

- Foi de propósito que você me passou?

...

- Porra, responde!

Clara chor. Clara, que nunca chorava. Antônio estático, sem forças, sem vida. Clara chor. Sem parar.

- Porra! Foi de propósito?

Antônio, lentamente, que sim com a cabeça. Clara chora.

...

Clara, pausadamente, em direção a seu irmão. O tempo parece não passar. Clara anda e o abraça. Sinceramente, profundamente, dolorosamente. Clara o abraça como nunca. O tempo parece não passar. Antônio chora. Clara chora. Os dois choram, e se abraçam, e choram, e se abraçam. O tempo parece não passar. Os braços dos dois, as pernas dos dois, a alma de Antônio em Clara. O tempo parece não passar. Os dois sabem que, depois daquele dia, nunca mais vão se ver.

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(Antônio e Clara foram enterrados lado a lado. Ela faleceu um ano depois dele, mas não havia diferença. Era como se tivessem morrido no mesmo dia.)

obs: sujeito a alterações

quinta-feira, julho 14, 2005

Yes

"...I was a Flower of the mountain yes when I put the rose in my hair like the Andalusian girls used or shall I wear a red yes and how he kissed me under the Moorish wall and I thought well as well him as another and then I asked him with my eyes to ask again yes and then he asked me would I yes to say yes my mountain flower and first I put my arms around him yes and drew him down to me so he could feel my breasts all perfume yes and his heart was going like mad and yes I said yes I will Yes."

trecho final de Ulisses, de James Joyce. O famoso monólogo de Molly Bloom. Porque eu plagio, mas cito.

escrito ao som de Curtis Mayfield and The Impressions - Anthology

quarta-feira, julho 13, 2005

confissão

e você me fala sim é verdade sim eu sei sim eu fiz sim e pede amor e pede carinho e pede consolo e pede um abraço e pede desculpas e pede tudo que sabe que eu não posso dar mas mesmo assim pede assim tudo assim e a cada sim eu morro a cada sim eu morro a cada sim mas não por causa de você não morro por você não eu morro sim eu morro sim mas por minha causa e por ela e por ela e penso nela sim e me imagino sim eu me imagino e escuto sim sim eu escuto sim sim sim e morro e morro e morro e você me fala e me conta e chora por ele sempre por ele sim sim sim por ele que não deu nem nunca vai dar por ele que você ama mesmo e não nunca vai dar não não eu ele sim ele que você ama não eu e eu morro por dentro mas não por sua causa por causa dela sempre ela simplesmente ela eu morro porque vejo nele eu me vejo nele sempre eu simplesmente eu e você me fala sim é verdade sim e chora sim é verdade e grita sim é verdade e eu concordo sim é verdade eu concordo eu sempre concordo com você.

terça-feira, julho 12, 2005

Nonsense

por
que

tudo
mudo
udar
se
todo
mundo
uder
se




sim

hah
ssim

en
fim

sem
fim

nem
por
quê

escrito ao som de Caetano Veloso - Caetano Veloso (1971)

quarta-feira, julho 06, 2005

Flip Flap Fui

Até segunda.
Na volta, as novidades etílico-literárias.

terça-feira, julho 05, 2005

Pessoas e Campos

(...)

Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chava, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido

(...)

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É incrível quando você realiza que tudo aquilo que sente alguém não só já sentiu também, como sentiu melhor.