domingo, maio 22, 2005

Poema Falso e Indignado

queria chorar mas não posso
não há por que chorar
o tempo dirá se a vida tem sido boa comigo
o tempo dirá e eu fico calado
pois nada tenho a dizer
não sei se sou hoje o mesmo eu que hoje sou
provavelmente sim – mas não admito
e amanhã também
e depois de amanhã
o tempo dirá se respondi certo as questões que nunca fiz
o tempo dirá e eu não tenho nada a dizer
fico calado
como quem olha o calendário esperando que marque o dia de ontem
o relógio a hora de ontem
a janela o tempo de ontem
mas o tempo é hoje e nada posso fazer
queria chorar, mas nem chorar eu posso

alguém tenta me mostrar algo
um jardim, uma rua, uma verdade
não me atrevo a perguntar
tenho talvez mais medo da pergunta do que da resposta
ou mais medo de qualquer coisa que não sei
pois não sei de nada
e tampouco sei se isso me deixa feliz
portanto, durmo
triste ou alegremente
tanto faz
o importante é que durmo
e quando se dorme as perguntas e respostas estão todas embaralhadas
e ninguém sabe de nada

as madrugadas em claro
os olhos abertos, as luzes ligadas
o claro no escuro
e a alma
enterrada
na semana passada
no mês passado
no ano passado
talvez em meados de dezembro de alguns anos atrás
passada e engomada e pendurada no guarda-roupa
onde ela cabe, aliás, muito bem
junto dos ternos que nunca usei e nem sei por que tenho

escrito ao som de The Kinks - Village Green Preservation Society

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