segunda-feira, abril 18, 2005

saudade

de recém-nascer de novo, a fala embaralhado, o cérebro confuso e o olhar perdido de quem vê o mundo pela primeira vez; de sentir os clichês, todos, sempre; de entrelaçar os dedos nos dedos, o corpo no corpo e a alma na alma feito arame; de inventar uma nova linguagem, secreta, impenetrável; de mutilar a noite com telefonemas inacabados; de perder o dia com devaneios insólitos; de deitar abraçado e logo depois virar para o lado, pois é mais confortável; de imaginar novelas globais quando ela não está; de sentir ódio às vezes, e mesmo jurar não perdoá-la nunca mais; de perdoar e não se arrepender; de perdoar e se arrepender; de ser perdoado e vê-la se arrepender; de chorar, fino, disfarçando, quando ela sabe que você está triste; de chorar, fino, disfarçando, quando ela acha que você está triste; de não saber mais quando está triste ou feliz; de perder os segredos, a privacidade, a vida anterior; de sentir falta disso tudo, mas calar a boca; de não sentir falta de nada disso, mas reclamar; de ver o transcendental se transformando em prosaico; de saber no prosaico também o transcendental; de imaginar por dias a fio o presente perfeito, e comprar o errado; de achar que a pior coisa do mundo é vê-la chorar; de errar, o tempo todo; de brigar, e passar a noite acordado; de saber que existe nela aquele detalhe que só você conhece, aquele gosto específico, aquela pessoa que é somente sua; de prender o choro em filmes românticos de quinta categoria; de acreditar nela a razão de sua vida; de mandar flores; de parar de mandar flores; de coçar o saco e arrotar na frente dela, a cara de nojo estampada; de rir, juntos; de não ter mais do que rir; de não ter mais porque chorar; de ver que tudo acabou, de vez, mais uma vez, pela última vez, e reclamar o tempo perdido.

***

é, estou precisando urgentemente de uma namorada.

escrito ao som de Caetano Veloso - Qualquer Coisa

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