terça-feira, março 08, 2005

Início

Naquele dia, ele acordou triste e percebeu. Estava apaixonado. Sabia que a partir de então enfrentaria as noites em claro e os dias com sono. Que as tardes seriam nubladas. Que os rostos seriam o dela. E sabia que passaria as horas imaginando como seria se falasse, se dissesse, se confessasse, mas que nunca o faria. E que ela nunca saberia, ele sabia. Sabia que sairia de casa na intenção de encontrá-la e que isso não aconteceria, e que no dia seguinte faria o mesmo, incessantemente. Ele sabia. E sabia que, mesmo carregando todos os sentimentos do mundo, não poderia escrever, não poderia, nada. Ele sabia e estava triste. E sabia que ela viveria o resto da vida à sua margem, arranjando namorados, sorrindo, amando, ou até mesmo esperando por alguém. Que ela estaria esperando por alguém que não era ele. Ou que fosse, mas ele nunca iria confessar, nunca, de forma alguma, ele sabia. Estava apaixonado e era assim. E que os dois esperariam meses, anos, um pelo outro, ele sabia, mas que a vida é assim mesmo, isso nada significa. E que se, por acaso, um mero acaso feliz, por acaso ele a beijasse e os dois ficassem juntos, que acabaria, um dia. Acabaria e ele sabia. Ele sabia e estava triste. Mas sabia também que não, eles nunca ficariam juntos, não, ela não esperava por ele, sim, ela era feliz. Ela era feliz e isso o deixava triste. E deixaria, sempre. E ele pensaria em discursos, poesias, romances, mas nunca escreveria, não, nunca, nada. Seria para sempre um segredo e ele sabia. Ele sabia, enfim, que estaria apaixonado, totalmente apaixonado, profundamente apaixonado por ela até que encontrasse um novo amor, mais forte, mais sincero e mais doloroso.

escrito ao som de Tom Waits - Closing Time

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