“Menina de Ouro” ou “Porque Agora eu Odeio as Maratonas do Odeon”
Sempre tive um caso de amor com a Maratona do Odeon. A idéia de passar a noite de sexta vendo filmes a preços mais que acessíveis, com outras pessoas que também estão lá pelo mesmo motivo, não pode ser mais apropriada. Teoricamente, para mim, a maratona é o que pode haver de mais próximo a uma comunhão hippie. Todos sentados e centrados na mesma coisa. Ainda por cima, o programa é no Odeon, caralho! Tudo bem que na maioria das vezes que eu fui, a primeira, depois a segunda, e por fim a terceira película se revelaram uma grande porcaria, mas e daí? Nem só de bons filmes é feito o mundo. Assim, entusiasmei-me ao saber que a última Maratona teria como pré-estréia o novo do Eastwood e, mesmo sem ninguém para ir com, parti para a Cinelândia na maior das boas vontades.
Chegando lá, a primeira das surpresas desagradáveis foi que, mesmo chegando 45 minutos antes do horário, peguei um dos últimos ingressos e tive de esperar 1 hora no meio da calçada. Mas tudo bem, o evento virou pop mesmo, legal. É sempre bom saber qu um grande contingente de pessoas desiste de qualquer outro programa possível para ver uns filminhos – muitas vezes, sem nem saber que filminhos são. Enfim, sentei-me na calçada e esperei, esperei, esperei...O evento merecia isso. Já meu humor decaía na mesma proporção que meu cansaço aumentava.
Entrando no cinema, bagunça, gritaria, desorganização total, e eu parecendo um velho ranzinza querendo apenas um bom lugar pra sentar. Enfim, faz-se o silêncio, a luz se apaga e eu imagino que todos – os ranzinzas e os animados, os solitários e os enturmados, os sensatos e os retardados – irão concentrar-se naquilo que realmente importa naquela festa toda: o filme. Inda mais que não era um filme qualquer... Primeiro minuto de sessão, iniciam-se os uivos, vaias, gritos, palmas, etc. etc. etc. Tudo bem novamente, cinema é a maior curtição! No entanto, enquanto o filme seguia seu caminho – e eu seguia o caminho do filme – tudo começou a ficar muito estranho e desagradável para mim.
Se existe algum filme intimista, pessoal, sincero, emocional e doloroso nos últimos tempos, este é Menina de Ouro. Vê-lo é como tomar um soco no estômago – para ficar na óbvia metáfora do mundo do boxe. E enquanto eu me acabava no cinema, pensando que não teria a menor condição de assistir ao Massacre da Serra Elétrica depois daquilo, as pessoas seguiam tranqüilas sua rotina festiva, rindo forçadamente, batendo palmas exibicionisticamente, gritando disfarçadamente “estou aqui e estou me divertindo pra caralho!”. Será que estavam assistindo ao mesmo filme que eu? Será que estavam assistindo a algum filme? E quando Million Dolar Baby acaba, eu, nocauteado – ó metáforas sutis! -, querendo me afogar na cadeira, e o público se levantando normalmente, conversando animadamente, como se aquela experiência tivesse sido totalmente nula. Se tivessem visto Zezinho no País dos Tobogãs a reação teria sido, absolutamente, a mesma.
Sei que não posso cobrar de ninguém que tenha a mesma emoção que eu, mas, cacete, será que eu não posso pedir que as pessoas que decidem sair de casa numa sexta à noite para ir ao cinema estejam dispostas a ver os filmes? Se não, por que não ir dançar, ou ir prum bar, ou fazer qualquer coisa? E enquanto as pessoas gritavam na tentativa de impor seu filme preferido para a sessão seguinte – como se houvesse alguma diferença – eu, puto e destroçado, abandonei o cinema e fui para o meio da calçada remoer minhas emoções. Lá, entre pedras e mendigos solitários, pelo menos, eu podia me sentir mais bem acompanhado.
escrito ao som de The Kinks - Lola Versus Powerman and The Moneygoround
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